A proposta de analisar a relação estabelecida entre Sociedade e Natureza na expansão da fronteira agrícola no século XX e XXI na microrregião de Ceres, Goiás, bem como os efeitos perturbadores ao meio ambiente, justifica-se, inicialmente, por considerar as transformações ocorridas nas áreas florestadas do Cerrado numa região conhecida, historicamente, como Mato Grosso de Goiás. Estudos realizados na microrregião de Ceres, dentre os quais vários artigos e trabalhos de conclusão do curso de Geografia (IESA/UFG), Mestrado em Geografia (IESA/UFG), revelaram que nessa microrregião a expansão das agroindústrias sucroalcooleira que está relacionada a dois fatos fundamentais: o primeiro foi a criação do Proálcool, que incentivou a implantação de seis usinas na microrregião entre as décadas de 1970 e 1980 e, mais recentemente, as demandas por novas fontes de energia. Revelam ainda que esta expansão se caracteriza pelo aumento da área plantada e não em melhorias nas técnicas e nas tecnologias ligadas ao setor sucroalcooleiro (FERREIRA e DEUS, 2010).

Trabalhos mais recentes sobre a espacialização da expansão sucroalcooleira nos municípios do Estado de Goiás sugerem que a expansão da cana-de-açúcar substituiu preferencialmente as culturas temporárias e induziu o deslocamento de culturas, pressionando os remanescentes florestais, e que esta expansão se localiza em áreas de médio a elevado risco de deficiência hídrica para a cultura da cana (ABDALA e RIBEIRO, 2011). Trata-se, no entanto, de área pouco estudada em escala de detalhe. Dessa forma, consideramos relevante uma proposta de pesquisa que tem no bioma Cerrado sua área de estudo, envolvendo as discussões sobre Sociedade e Natureza, num diálogo inter e multidisciplinar e interinstitucional, envolvendo pesquisadores de três Programas de Pós-graduação e alunos de cursos de graduação.

Do ponto de vista institucional a relevância deste projeto se justifica na medida em que permite a associação de Programas de Pós-Graduação de diferentes unidades da Federação (São Paulo, Distrito Federal e Goiás), situados em diferentes Comitês de Áreas na CAPES (Geografia e Ciências Ambientais), mas com significativas proximidades, a saber: estão inseridos, total ou parcialmente, no bioma Cerrado; são Programas cuja temática ambiental norteiam, total ou parcialmente, as pesquisas desenvolvidas; localizam-se em áreas que vivenciam os mesmos problemas de impactos ambientais desencadeados pelo uso e ocupação das terras com predomínio de monoculturas, notadamente da cana-de-açúcar; desenvolvem pesquisas sobre a expansão da fronteira agrícola e seus impactos, com destaque para o setor sucroalcooleiro, dentre outras. Assim, parcerias desse porte permitem um espaço privilegiado para a troca de experiências e de fortalecimento das linhas de pesquisa dos Programas de Pós-graduação envolvidos, bem como a maior inserção social dessas instituições. Nesse sentido, esse projeto também se justifica na medida em que os objetivos do PROCAD se materializam no cumprimento de suas intenções que visam: o desenvolvimento das potencialidades institucionais; a diminuição das assimetrias regionais; a consolidação das linhas de pesquisa dos Programas Proponente e Associados; a inserção e o vínculo em grupos de pesquisas nacionais e internacionais por meio de redes; a participação e a de formação de redes de estudos ambientais sobre o Cerrado; a produção e a publicação coletiva de artigos científicos em periódico indexados em revistas de elevado índice de fator de impacto; e a participação em eventos científicos nacionais e internacionais.

Um item que consideramos fundamental e justifica as parcerias entre a Instituição Proponente e as Associadas e as intencionalidades do PROCAD refere-se às “assimetrias regionais”. Nesse sentido, destacamos a integração das Associadas (I e II) na Rede Centro Oeste de Pós-Graduação, Pesquisa e Inovação – Rede Pró-Centro Oeste, que tem por objetivo formar recursos humanos e gerar conhecimento científico, produtos, processos e serviços tecnológicos, visando contribuir com o desenvolvimento sustentável da região Centro Oeste. Essa Rede proporciona ampliação dos trabalhos sobre o Cerrado, mas também tem o importante papel de mudar o quadro da formação e produção científica na e sobre região Centro-Oeste.

É fato que a pós-graduação stricto sensu no Brasil tem crescido muito, bem como o número de doutores e de mestres e a produção acadêmica expressa em publicações. Contudo, há disparidades e muitas desigualdades regionais. Dos 5.370 cursos de pós-graduação stricto sensu brasileiros, menos de 8% (7,65%) localizam-se no Centro Oeste, sendo que 04 instituições (UnB, UFG, UFMT e UFMS) lideram com 75% dos cursos na região. A Rede Pró-Centro Oeste objetiva mudar esse quadro e tem apresentado propostas para a qualificação regional e, neste sentido, na interiorização do ensino superior, particularmente no desenvolvimento da pesquisa e da pós-graduação. Nesse sentido, o edital n. 071/2013 do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica vem ao encontro com a perspectiva da Rede acima mencionada, ou seja, diminuir as disparidades acadêmicas entre as regiões brasileiras, ampliar diálogos entre Instituições de ensino e pesquisa, proporcionar equilíbrio regional da pós-graduação brasileira, por meio do fortalecimento dos Programas em pesquisas aplicadas à temática, o amadurecimento dos pesquisadores envolvidos e ampliação das pesquisas acerca do Cerrado. Outro fator que justifica e evidencia a relevância do diálogo entre campos interdisciplinares na construção do saber ambiental é o papel das referências teórico-metodológicas da História Ambiental. Nascida nos Estados Unidos na década de 1970, em meio ao efervescente debate das questões ambientais que emergiam em diferentes campos do conhecimento, a História Ambiental se constitui em campo privilegiado para os debates envolvendo cultura e natureza em diferentes temporalidades e territórios.

Preocupada com o papel da natureza nas relações sociais e das sociedades no meio ambiente, a história ambiental busca fundamentar-se em procedimentos metodológicos que facilitam o diálogo com campos disciplinares que já tem um domínio do saber ambiental. Portanto, diálogos são comuns entre as ciências sociais puras e aplicadas, mas também com as ciências da natureza, nos mais diversos campos (PÁDUA, 2012; WORSTER, 1991, 2012; DRUMMOND, 1991). Nesse sentido, destacamos que já existem parcerias anteriores ao projeto que ora apresentamos, em que parte das equipes que compõem o grupo das instituições trabalharam com essa temática (FRANCO et. al., 2012; SILVA et. al., 2013), enfocando trabalhos mais gerais da história ambiental (FRANCO et. al., 2012) ou nos estudos orientados por este campo nos domínios do Cerrado (SILVA et. al., 2013). De acordo com Worster (1991) o campo da história ambiental se orienta em três níveis de investigação, a saber: a história da natureza propriamente dita; a história das relações socioeconômicas e os ambientes naturais; e a história das representações culturais da natureza. Nessa proposta ao PROCAD, nossa investigação procura se pautar nos dois primeiros níveis, na tentativa de compreender os processos históricos da devastação ambiental, bem como perceber os impactos em diferentes variáveis e abordagens (taxonomia, cobertura e uso da terra, mudanças nas paisagens, dentre outras).

No que se refere ao processo de ocupação a história ambiental permite a percepção dos fenômenos da expansão das fronteiras em diferentes períodos e seus diferentes efeitos ao meio ambiente. Os estudos nos domínios do Cerrado são desenvolvidos em diferentes campos do saber: Geografia, História, Sociologia, Biologia, Agronomia etc. Dessa forma, nesta pesquisa procurar-se-à agregar novas pesquisas e enfoques aos estudos desenvolvidos sobre a ocupação do Cerrado do Centro-Oeste, que teve características próprias, o que também justifica a realização desta pesquisa. Efetivamente, após o período chamado de “Entradas e Bandeiras”, que recobre os dois primeiros séculos de colonização, implantou-se nessa área, a partir da descoberta do ouro em Goiás (início do século XVIII), uma economia de subsistência que veio de par com a “cultura caipira” (ARAGÃO, 1993).

As bandeiras contribuíram significativamente para a ocupação e o povoamento do interior do Brasil, fundando povoados, criando vilas e dando início à exploração mineradora. É neste momento que o estado de Goiás passa a receber um grande fluxo migratório que fez surgir ao longo dos córregos e ribeirões os primeiros núcleos de povoamentos. Fundou-se o Arraial de Sant’Ana em 1726 que, posteriormente, veio a se chamar Vila Boa de Goiás (CARNEIRO, 1981). Com o fim do ciclo da mineração, Goiás permaneceu economicamente dedicado à criação extensiva de gado e à agricultura de subsistência. Nessa fase de predomínio da pecuária, ocorreu no início uma retração da economia devido ao isolamento em tão grande extensão geográfica. Contudo, lentamente, a economia goiana foi se consolidando com a pecuária e, assim, muitos núcleos com economia de subsistência e a formação de novos reativaram o comércio de produtos como couro, carne seca, rapadura ou gado em pé, com outros Estados (GOMES e TEIXEIRA NETO, 1993).

Durante dois séculos e meio, essa configuração regional teve sua vigência praticamente inalterada. A partir do final da década de 1930, na primeira fase do governo de Getúlio Vargas (1930-1945), foi instituído o programa “Marcha para o Oeste”, através da Fundação Brasil Central, que propiciou a complementação da infraestrutura básica necessária ao acesso à região Centro-Oeste e viabilizou a implantação da ferrovia. Neste mesmo período, a ferrovia (ou estrada de ferro) se desenvolveu ligando São Paulo à cidade de Anápolis no centro do estado de Goiás, atravessando o Triângulo Mineiro, que propiciou o avanço da fronteira agrícola nos Cerrados e, passando por manchas de solos com considerável fertilidade e próprio ao cultivo do café, localizava-se em posição favorável em relação aos mercados do centro-sul do país.

As ferrovias e as rodovias exerceram grande influência no aparecimento de cidades no Estado de Goiás. A ferrovia foi a principal responsável pelo surgimento de diversas cidades que tem sua história vinculada à instalação da via férrea. Analisando este período, Barreira (1997), considera que a construção de Goiânia foi o ponto de partida da expansão para o Oeste, aliada a outras políticas, tais como a Fundação Brasil Central e seus pontos nodais – bases urbanas de apoio à ocupação que deram origem a experiências agrícolas, com vistas a atender objetivos de colonização. Waibel (1979) já havia distinguido no Brasil da década de 1940, cinco zonas pioneiras: a Região do Xapecó - Pato Branco no noroeste do Estado de Santa Catarina e no sudeste do Paraná; o norte do Paraná; oeste de São Paulo; o “Mato Grosso” de Goiás; a região Norte do Rio Doce, nos Estados do Espírito Santo e Minas Gerais. Dentre as características dessas zonas pioneiras estão o crescimento rápido das populações e, paralelamente, a expansão rápida da área cultivada, graças à modernização dos sistemas de transporte e a construção de estradas de rodagem.

A região do Mato Grosso de Goiás, mais especificamente o novo Mato Grosso de Goiás, teve intensificada sua ocupação nas décadas de 1940 e 1950, com a implantação da Colônia Agrícola Nacional de Goiás que, além dos diversos interesses em relação às questões geopolíticas nacionais da época, caracterizava-se como uma experiência de colonização e ocupação oficial. O impacto dessa política de ocupação, com orientação ideológica dos discursos da Marcha para Oeste, foi uma grande migração para a região central e norte de Goiás em busca de áreas para a produção agropecuária (CAMPOS, 1985; SILVA, 2008). Mais recentemente, na década de 1960, reafirma-se essa tendência, quando o Estado de Goiás passou a ser conhecido pelo arrojo da construção de Brasília que, acompanhada da abertura de estradas ligando a nova capital ao sudeste do país, propiciou a expansão da agricultura comercial nas áreas de Cerrado. A criação de Brasília, no final da década de 1950, promoveu também a abertura da frente agrícola de expansão, voltada para a pecuária intensiva e o cultivo da soja em larga escala produtiva.

A construção de rodovias teve papel fundamental no processo de ocupação e abertura do Cerrado, uma vez que tornou a região acessível e estimulou a incorporação de suas terras à agropecuária. No final da década de 1960, as tradicionais áreas de Cerrado, caracterizadas por extensos chapadões com topografia plana, até então pouco utilizados, passam a ser intensamente aproveitados. Segundo Mendonça e Thomaz Junior (2004) a abertura da fronteira agrícola, que avançou pelo Cerrado, se deu efetivamente a partir de 1970 com a introdução do cultivo do arroz e, logo depois, da soja. Com a pecuária ocorreu o plantio de pastagens, com o cultivo de forrageiras e capim braquiária, aumentando a produção e a produtividade do rebanho por hectare. A década de 1970 marca o período em que o Governo Federal passou a financiar programas para desenvolvimento do Cerrado como o POLOCENTRO - Programa de Desenvolvimento do Cerrado e PRODECER - Programa Cooperativo Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento do Cerrado (IBGE, 1982; ARAGÃO, 1993; CUNHA, 1994; PIRES, 1996; SHIKI et al., 1997) conduzindo a um intenso processo de desmatamento deste Bioma para ceder lugar às práticas agrícolas e pecuárias, culminando com a intensa antropização da vegetação (DIAS, 1994; MONTOVANI e PEREIRA, 1998; KLINK e MOREIRA, 2002).

O governo federal elaborou o Programa de Desenvolvimento do Cerrado (POLOCENTRO), que proporcionou a ocupação das áreas do Cerrado. Teve como base à concepção de polos de crescimento, selecionando 12 áreas de cerrado, distribuídas pelos estados de Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais, que apresentavam infraestrutura básica (estradas, armazéns etc.) e potencial agrícola. Estas áreas receberam investimentos em infraestrutura e um programa de financiamentos altamente subsidiados a agricultores que se dispusessem a cultivá-las. Este programa vigorou entre 1975 a 1982, beneficiando principalmente os produtores de grande a médio porte.

Estima-se que nos seus primeiros cinco anos foram responsáveis pela incorporação direta de cerca de 2,4 milhões de hectares de cerrado à agricultura ou cerca de 31% da área total adicionada a estabelecimentos agrícolas nas zonas atingidas (CUNHA, 1994). A partir de 1979 este programa começou a ser desativado e, em 1980, teve início o programa intensivo para a produção no cerrado, o PRODECER (Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados) nas regiões de Paracatu, Irai de Minas e Coromandel. O desenvolvimento econômico propiciado por este programa trouxe grandes transformações na economia regional e o cerrado passou a contar com uma agricultura moderna, com a adoção cada vez mais intensa de mecanização, adubação, agrotóxicos, etc., mas com graves impactos sociais e ambientais O PRODECER foi desenvolvido em três etapas. Na primeira promoveu o assentamento de colonos em 70 mil ha, dos quais 50 mil ha foram destinados a 135 famílias e o restante para três empresas agrícolas. A segunda etapa, iniciada em 1987, promoveu o assentamento de colonos selecionados por cooperativas credenciadas beneficiando as regiões de Goiás (três projetos), Minas Gerais (quatro projetos), Mato Grosso do Sul (um projeto), Mato Grosso (dois projetos) e Bahia (dois projetos). Em 1999, foi concluída a implantação da terceira fase dos projetos pilotos nos Estados do Maranhão e do Tocantins, abrangendo uma área de 80 mil ha.

Durante a década de 1980, o Governo Federal lançou algumas iniciativas que incentivaram a irrigação nas áreas do Cerrado. Destacam-se os Programas de Financiamento de Equipamentos para a Irrigação (PROFIR) e o Programa Nacional de Irrigação (PRONI), sendo que o primeiro contou com financiamento japonês. A intenção nos referidos programas era aumentar a produtividade e introduzir culturas irrigadas por diferentes métodos, entre os quais, de pivô central (SHIKI, 1995 apud PIRES, 1996). A partir dos anos 2000, verifica-se novas tendências e mecanismos de desenvolvimento do espaço agropecuário do estado de Goiás, especificamente o aumento da produção de agroenergia por meio do cultivo e industrialização da cana-de-açúcar. A EMBRAPA, por outro lado, em relatório elaborado em 2000, não citou a expansão das lavouras de cana-de-açúcar entre as culturas mais expressiva na Região Centro Oeste. Isso levou a seguinte conclusão da União da Agroindústria Canavieira (UNICA), “[...] a expansão de cana-de-açúcar nas áreas originalmente ocupadas por cerrado foi relativamente pequena” (MACEDO, 2005, p. 126). A demanda crescente por fontes alternativas de energia vem incentivando o crescimento da produção das chamadas agroenergias, especialmente o biodiesel e o etanol.

A busca mundial por fontes de energias renováveis recolocou o Brasil, em geral, e o Cerrado, em particular, no mapa produtor de commodities agrícolas exportáveis. De acordo com Macedo (2005, p. 43), “a cana-de-açúcar é cultivada em cerca de seis milhões de hectares no Brasil, em todas as regiões geográficas do país, atingindo em 2006/07 uma produção de aproximadamente 425 milhões de toneladas, um quarto da produção mundial”. Em geral, as usinas produzem a matéria prima em suas próprias terras, em terras arrendadas ou ainda em parceria. Isto representa algo em torno de 70% da produção, sendo que “[...] os restantes 30% são supridos por produtores independentes, cerca de 45 mil produtores, a grande maioria utilizando menos de dois módulos agrícolas” (MACEDO, 2005, p. 44). Segundo estimativas do Instituto de Economia Agrícola (IEA), para abastecer a crescente demanda por agroenergia, a área de plantio de cana-de-açúcar vai duplicar no Brasil nos próximos dez anos, passando para mais de doze milhões de ha na safra 2015/16. Este cultivo permitirá uma produção de 900 milhões de toneladas de cana e de 26 bilhões de litros de álcool. A partir de 2003 a produção sucroalcooleira apontava uma trajetória de crescimento da produção, sobretudo pelas novas condições no mercado de combustíveis em decorrência do aumento do preço do petróleo no mercado mundial, novas tecnologias com os novos motores de duplo combustível e pela exportação de álcool como aditivo à gasolina em outros países (BACARRIN, 2005).

Nesse contexto, a expansão do setor sucroalcooleiro foi significativa, sobretudo para a região Centro-Oeste, com destaque para o Estado de Goiás. De acordo com Ferreira e Mendes (2009) a inserção da economia goiana no cenário internacional foi resultante de políticas desenvolvimentistas que favoreceram a aliança entre Estado e produtores rurais na organização de investimentos infraestruturais e políticas agrícolas nessa nova onda de apropriação de áreas do Cerrado, motivadas, principalmente para a produção de soja, promovendo significativas mudanças na região visando criar condições favoráveis para a expansão da agricultura capitalista em áreas do Cerrado em Goiás. A partir dos anos 2000 ocorreu um novo fluxo migratório de empresas e de trabalhadores para Goiás, sendo que a partir de 2006 “o Estado passou a fazer parte do Plano Nacional de Agroenergia (2006-2011) elaborado e coordenado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento” (PIETRAFESA, SILVA, SANTOS, 2010).

De acordo com Castilho (2009) o processo de modernização, que atingiu o Estado de Goiás nas últimas décadas do século XX, pode ser percebido na microrregião de Ceres por meio da nova lógica econômica da produção sucroalcooleira, que promoveu significativas alterações na paisagem rural e na dinâmica socioespacial dos municípios dessa microrregião, inclusive naqueles que não possuem Unidades Produtoras instaladas. As alterações na paisagem e na dinâmica socioespacial apresentadas por Castilho (2009) são representadas também nos estudos de geoprocessamento da Canasat (2010), que aponta para uma expansão significativa de áreas cultivadas. Os estudos de Castilho (2009), baseados em dados da SEGPLAN, apontam que no ano de 2007 a microrregião de Ceres destacou-se como a maior produtora de cana-de-açúcar em Goiás, com 84.006 hectares colhidos.

Todavia, apesar do crescimento significativo verificado entre o período de 2005 a 2010, segundo dados do Canasat, verificou-se uma tendência de investimentos maiores na Mesorregião Sul Goiano, com destaques para as microrregiões de Meia Ponte, Sudoeste de Goiás e Vale do Rio dos Bois. Também nessa região concentram-se a maioria das unidades sucroalcooleiras. Diante do quadro apresentado, justifica-se que o estudo dessa área, caracterizada como área florestal enclave no Cerrado, leva em consideração a importância da região na expansão agrícola promovida pelas políticas federais da “Marcha para Oeste” na década de 1940. Essa expansão buscou as áreas florestadas levando em conta a qualidade dos solos para a atividade agrícola. No entanto, uma série de intervenções de infraestrutura, como ampliação das rodovias para escoamento agrícola, implantação e favorecimento da venda de terras numa nova composição fundiária, no surgimento de novos núcleos urbanos, dentre outras, promoveram a modificação da paisagem fitogeográfica.

A expansão dessa fronteira veio acompanhada, portanto, de uma nova ocupação desse território com significativos efeitos socioambientais. Dentre esses, consideramos as novas fronteiras do setor sucroalcooleiro, sobretudo a partir da década de 1970. O setor sucroalcooleiro experimenta grande expansão e importância no cenário econômico dessa região, o que justifica uma investigação dos efeitos socioambientais decorrentes desse novo fenômeno. Os recortes da investigação partem dos campos de conhecimento em que as equipes de pesquisadores atuam, incluindo estudos relacionados aos processos históricos de ocupação que conduziram ao desenvolvimento agrícola da microrregião de Ceres, os efeitos sociais relacionados ao perfil populacional e fluxo migratório nas décadas de 1940-1970, assim como os efeitos ambientais relacionados aos processos de fragmentação de habitats e voltados aos estudos de preservação ambiental no diagnóstico das áreas de preservação permanentes, conforme legislação ambiental, incluindo os efeitos do desmatamento nas margens da bacia do rio das Almas. Todavia, as equipes de pesquisadores buscarão um diálogo que propicie expandir a investigação para novas frentes e temas, articulando as pesquisas em vários níveis ao projeto principal, bem como a outros projetos em andamento nas instituições envolvidas. Nesse sentido, destaca-se que está em andamento na UNESP, campus de Presidente Prudente, o projeto de temático FAPESP, sob a coordenação do Prof. Dr. Antonio Thomaz Júnior, intitulado “Mapeamento e Análise do Território do Agrohidronegócio Canavieiro no Pontal do Paranapanema, São Paulo, Brasil: Relações de trabalho, conflitos e formas de uso da terra e da água, e a saúde ambiental”.

De acordo com resumo do projeto temático, os pesquisadores envolvidos pretendem “desenvolver uma abordagem crítica acerca das questões da agroenergia e dos agrocombustíveis, com as atenções voltadas para a expansão e consolidação do capital agroindustrial canavieiro e os impactos nas formas de uso da terra e da água, e da saúde do trabalhador, no contexto do Polígono do Agrohidronegócio, no Pontal do Paranapanema.

Para isso, será levada em conta a correlação entre as formas de uso da terra e da água e a legalização da grilagem por parte do agrohidronegócio, assim como seus desdobramentos para as ações políticas em torno da Reforma Agrária, e de temas ligados à Geografia do trabalho e da saúde ambiental. Assim, o projeto busca novos referenciais teóricos para romper as fragmentações clássicas dos estudos sobre a dinâmica da sociedade e da natureza. Da mesma forma, do ponto de vista metodológico, procura desenvolver metodologias de mapeamento e de aplicação de geotecnologias para apreender o movimento do trabalho e da natureza por dentro das disputas territoriais. Diante desses desafios, propomos-nos apreender o conteúdo e o significado dos conflitos sociais, sem perder de vista questões relacionadas à soberania alimentar e energética e à sustentabilidade ambiental. Dessa maneira, é relevante o aprofundamento do estudo sobre as formas de gestão e controle da água e das relações de trabalho, bem como de sua face nociva, quando consideramos a transmissão de doenças, contaminação ambiental, mutilação e morte dos trabalhadores, pois é uma possibilidade de discutirmos a invisibilidade social das doenças relacionadas ao trabalho, no Brasil, especialmente nas atividades agroenergéticas.

Por conseguinte, a questão central é compreender o desenvolvimento destrutivo das forças produtivas e que o capitalismo globalizado apresenta um movimento intenso e contraditório de integração, fragmentação, polarização, que redimensiona constantemente a diferenciação dos espaços sociais (THOMAZ Jr et al, 2013).

A pesquisa proposta no projeto temático tem período de vigência entre agosto/2013 a julho/2018, com a participação de outros pesquisadores da UNESP e de outras instituições nacionais e estrangeiras, prevendo-se realização de seminários, intercâmbios e pesquisas científicas em vários níveis, desde iniciação científica a pós-doutorado. Dentre os pesquisadores da UNESP que também fazem parte desta proposta ao PROCAD estão, além do coordenador, os professores: Antonio Cezar Leal, Raul Borges Guimarães, Paulo Cesar Rocha e Renata Ribeiro de Araújo. Dessa forma, o desenvolvimento conjunto do projeto temático e desta proposta ao PROCAD, em caso de aprovação, permitirá intensa interlocução entre os participantes, estudo comparativo dessas realidades regionais, aprofundamento teórico-metodológico, conhecimento e aplicação de práticas de pesquisas desenvolvidas nos três Programas de Pós-graduação, além de fomentar pesquisas em diferentes níveis, contribuindo na formação da rede de pesquisadores proposta na cooperação acadêmica.